segunda-feira, 5 de maio de 2008

Histórias do Século XVIII: 5a parte

Eis mais um conto do Século XVIII que é desconhecido por muitos... Chama-se “Os Três Dons”, e mais uma vez encontramos nele a imagem da “Madrasta Má” (coitadas das madrastas, sempre retratadas como vilãs nas histórias dos camponeses).

Existem outras versões desta história, mas vou deixar para outra ocasião.


OS TRÊS DONS
Era uma vez um menino cuja mãe morreu logo depois de seu nascimento. Seu pai, que ainda era jovem, tornou a ,se casar imediatamente; mas a segunda mulher, em vez de tomar conta do enteado, detestava‑o de todo o coração e o maltratava.

Ela o mandou cuidar dos carneiros, às margens da es­trada. Ele tinha de ficar fora de casa o dia inteiro, tendo apenas, para se cobrir, roupas esfarrapadas e remendadas. Para comer, ela só lhe dava uma pequena fatia de pão, com tão pouca manteiga que mal cobria a superfície, por mais que ele se esforçasse em espalhá‑la.

Um dia, quando ele comia essa magra refeição, sentado num banco, espiando para seu rebanho, viu uma velha esfar­rapada vir pela estrada, apoiada num bordão. Parecia uma mendiga, mas, na verdade, era uma fada disfarçada como as que existiam naquele tempo. Aproximou‑se do menino e lhe disse:

"‑ Estou com muita fome, Você me daria um pouco de seu pão?"
"‑ Ai de mim! Mal tenho que baste para mim mesmo, porque minha madrasta é tão sovina que, cada dia, corta para mim uma fatia mais fina. Amanhã, ainda será mais fina."
"‑ Tenha pena de uma pobre velha, menino, e me dê um pedacinho de seu jantar".

O menino, que tinha bom coração, concordou em divi­dir seu pão com a mendiga, que voltou no dia seguinte quando ele se preparava para comer e pediu, mais uma vez, que tivesse piedade. Embora o pedaço fosse ainda menor que no dia anterior, ele concordou em cortar uma parte para ela,

No terceiro dia, o pão com manteiga mal chegava à lar­gura de uma mão mas, mesmo assim, a velha recebeu seu pedaço.

Quando acabou de comer, ela disse:

"‑ Você foi bon­doso para com uma velha que pensou que estivesse men­digando pão. Na verdade, sou uma fada e tenho o poder de lhe conceder três desejos, como recompensa. Escolha as três coisas que lhe darão o maior prazer."

O pastorzinho tinha uma besta na mão. Desejou que todas as suas setas, sem perder uma só, abatessem passari­nhos, e que todas as melodias tocadas por ele, em sua flauta, tivessem o poder de fazer todos dançarem, querendo ou não. Teve certa dificuldade em escolher o terceiro desejo; mas pensando em todos os maus‑tratos recebidos de sua madras­ta, teve vontade de se vingar e desejou que, todas as vezes que espirrasse, ela não resistisse e soltasse um peido alto.

"‑ Seus desejos serão atendidos, homenzinho", disse a fada, com os trapos transformados num belo vestido e com o rosto tendo um aspecto jovem e fresco.

À noite, o menino conduziu o seu rebanho de volta e, ao entrar em casa, espirrou. Imediatamente, sua madrasta, que estava ocupada fazendo bolos de trigo na lareira, sol­tou um alto e retumbante peido. E, cada vez que ele fazia "atchim", a velha respondia com um som tão explosivo que ficou coberta de vergonha. Aquela noite, quando os vizi­nhos se reuniram para a veillée, o menino deu para espirrar com tanta freqüência que todos repreenderam a mulher por seus maus modos.

O dia seguinte era domingo, A madrasta levou o me­nino à missa e se sentaram bem embaixo do púlpito, Nada incomum aconteceu durante a primeira parte do serviço; mas, logo que o padre começou seu sermão, a criança come­çou a espirrar e sua madrasta, apesar de todos os esforços para se conter, imediatamente soltou uma série de peidos e ficou tão vermelha que todos a olharam e ela desejou estar debaixo da terra. Como o ruído impróprio continuava, ininterruptamente, o padre não conseguiu continuar seu sermão e mandou o sacristão levar para fora aquela mulher que mostrava tão pouco respeito pelo lugar sagrado.

No dia seguinte, o padre foi à fazenda e repreendeu a mulher por se comportar tão mal na igreja. Ela escandali­zara toda a paróquia. "‑ Não é minha culpa", disse ela. "Todas as vezes que o filho de meu marido espirra, não posso deixar de peidar. Estou ficando louca por causa dis­so". Exatamente nesse momento, o menino, que se prepa­rava para sair com seu rebanho, soltou dois ou três espirros e a mulher respondeu imediatamente.

O padre saiu da casa com o menino e caminhou a seu lado, tentando descobrir seu segredo e repreendendo‑o o tempo todo. Mas o pequeno e hábil velhaco nada confes­sou. Quando passaram perto de um arbusto em que posta­vam empoleirados vários passarinhos, disparou num deles, com seu arco, e pediu ao padre para pegá‑lo. O padre con­cordou mas, quando chegou ao lugar onde o pássaro caíra, uma área coberta de espinheiros, o menino tocou sua flauta e o padre começou a rodopiar e dançar tão rápido, sem con­seguir conter‑se, que sua batina ficou presa nos espinhos; e, não demorou muito, estava toda esfarrapada.

Quando, afinal, a música parou, o padre pôde aquietar-­se; mas estava completamente sem fôlego. Levou o menino perante o juiz. de paz e acusou‑o de destruir sua batina. "‑ Ele é um bruxo malvado", disse o padre. "Deve ser castigado."

O menino pegou sua flauta, que cuidadosamente enfia­ra no bolso e, logo que fez soar a primeira nota, o padre, que estava em pé, começou a dançar; o funcionário come­çou a rodopiar em sua cadeira, o próprio juiz de paz pulava sem parar no assento e todos os presentes sacudiram as per­nas, de maneira tão incontida, que a sala do tribunal pare­cia um salão de baile.

Logo se cansaram desse exercício forçado e prometeram ao menino que o deixariam em paz, se ele parasse de tocar.

FONTE:
HISTÓRIAS QUE OS CAMPONESES CONTAM: O SIGNIFICADO DE MAMÃE GANSO, por Robert Darnton (Do livro: "O Grande Massacre de Gatos", Ed. Graal,1996, págs. 21-101).

Nenhum comentário: