segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Através do Espelho


Do mesmo autor de O mundo de Sofia, essa é a história de Cecília Skotbu, uma menina que vive intensamente. As coisas que vai aprendendo ela anota num caderninho. Ali ela escreveu, por exemplo: "Nós enxergamos tudo num espelho, obscuramente. Às vezes conseguimos espiar através do espelho e ter uma visão de como são as coisas do outro lado. Se conseguíssemos polir mais esse espelho, veríamos muito mais coisas. Porém não enxergaríamos mais a nós mesmos". Cecília passa quase o tempo todo em seu quarto, deitada na cama. Ela está morrendo. Sua história é uma preparação para a morte e por isso é também um mergulho na vida. Ela morre como quem viaja, prestando atenção em tudo. Através de seu olhar profundo, o outro lado do espelho se torna um pouco mais claro para nós.
Título Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil - FNLIJ 1998, categoria tradução/jovem

Um dos melhores livros de filosofia que eu já li! A história é simplesmente cativante e emocionante... Perfeita para discutir assuntos sobre a Vida e a Morte com as crianças, sem que elas se sintam angustiadas.
Eu recomendo! (^,^)

FONTES:
http://www.siciliano.com.br/capas/8571647631.jpg
http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=7828&ST=SE

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Natal da Turma da Mônica

Eu sei que o Natal já passou, mas nunca é tarde para desejar um FELIZ NATAL e um PRÓSPERO ANO NOVO! (^,^)

Abaixo segue um videozinho bem legal da Turma da Mônica!

É um dos meus vídeos preferidos! A primeira vez que assisti foi em VHS, lá por volta de 1991... A fita trazia vários curtas-metragens antigos da turminha fazendo propaganda da Cica. Eu era bem pequenininha... Mas lembro perfeitamente (^,^)

Natal da Mônica

Histórias do Século XVIII (2a parte): Chapeuzinho Vermelho

O conto abaixo é uma das primeiras versões de CHAPEUZINHO VERMELHO.

Detalhe: em nenhum momento do conto é citado que ela usa capuz vermelho...

Chapeuzinho Vermelho

Certo dia, a mãe de uma menina mandou que ela levasse um pouco de pão e de leite para sua avó. Quando a menina ia caminhando pela floresta, um lobo aproximou-se e perguntou-lhe para onde se dirigia.
_Para a casa de vovó_ela respondeu.
_Por qual caminho você vai, o dos alfinetes ou das agulhas?
_O das agulhas.
Então o lobo seguiu pelo caminho dos alfinetes e chegou primeiro à casa. Matou a avó, despejou seu sangue numa garrafa e cortou sua carne em fatias, colocando tudo numa travessa. Depois, vestiu sua roupa de dormir e ficou deitado na cama, à espera.
Pam, pam.
_Entre querida.
_Olá, vovó. Trouxe para a senhora um pouco de pão e de leite.
_Sirva-se também de alguma coisa, minha querida. Há carne e vinho na copa.
A menina comeu o que lhe era oferecido e, enquanto o fazia, uma gatinho disse: “menina perdida! Comer a carne e beber o sangue de sua avó!”
Então, o lobo disse:
_Tire a roupa e deite-se na cama comigo.
_Onde ponho meu avental?
_Jogue no fogo. Você não vai precisar mais dele.
Para cada peça de roupa_corpete, saia, anágua e meias_ a menina fazia a mesma pergunta. E, a cada vez, o lobo respondia:
_Jogue no fogo. Você não vai precisar mais dela.
Quando a menina se deitou na cama, disse:
_Ah, vovó! Como você é peluda!
_É para me manter mais aquecida, querida.
_Ah, vovó! Que ombros largos você tem!
_É para carregar melhor a lenha, querida.
_Ah, vovó! Como são compridas suas unhas!
_É para me coçar melhor, querida.
_Ah, vovó! Que dentes grandes você tem!
_É para comer melhor você, querida.
E ele a devorou.


Os contos franceses não mostram nenhuma simpatia por idiotas ou pela estupidez sob qualquer forma, inclusive a de lobos e ogros que não conseguem comer suas vítimas imediatamente.
Os heróis estúpidos são, portanto, falsos estúpidos que fingem serem estúpidos para conseguir manipular melhor um mundo cruel, mas crédulo.
Chapeuzinho Vermelho _ sem capuz vermelho _ usa a mesma estratégia nas versões do conto francês, em que ela escapa viva. "Tenho de me aliviar, vovó", diz ela, quando o lobo a agarra. "Faça na cama mesmo, querida", responde o lobo. Mas a menina insiste e então o lobo lhe permite ir lá fora, amarrada numa corda. A menina amarra a corda numa árvore e foge, enquanto o lobo puxa e chama, sem mais paciência para esperar. "O que é que você está fazendo, cagando uma corda?"
Na verdade, à maneira gaulesa, o conto narra a educação de uma velhaca. Passando de um estado de inocência para outro de falsa ingenuidade.


FONTE:
_ HISTÓRIAS QUE OS CAMPONESES CONTAM: O SIGNIFICADO DE MAMÃE GANSO por Robert Darnton.


Histórias do Século XVIII (1a parte): O ZIMBRO

Faz muito tempo que eu queria publicar este conto aqui no blog, não porque ele seja bonito (muito pelo contrário, é bem macabro), mas porque faz parte de uma série de contos de fadas que quase ninguém conhece e nem ouviu falar...

A primeira vez que vi referências sobre este conto foi aos 16 anos, numa apostila de pós-graduação da minha mãe: HISTÓRIAS QUE OS CAMPONESES CONTAM: O SIGNIFICADO DE MAMÃE GANSO por Robert Darnton. Achei o capítulo interessante e comecei a ler... Nele encontrei várias histórias que eram contadas na França do século XVIII, entre elas, o famoso conto que mais tarde ficou conhecido como Chapeuzinho Vermelho (posteriormente também pretendo publicá-lo aqui).

Levei anos para encontrar o conto inteiro... Mas finalmente consegui lê-lo no livro: 103 CONTOS DE FADAS da escritora inglesa Angela Carter.
O engraçado é que depois de ler o livro, encontrei o conto na Internet.

No livro de Angela Carter, o conto chamava-se “O ZIMBRO” (para quem não sabe, zimbro é uma espécie de pinheiro), mas a adaptação que achei na Internet o mostra como “A AMOREIRA”... Fora à amoreira, não achei mais nenhuma grande diferença entre os dois contos. Então, ao invés de digitar, resolvi dar uma folga aos meus dedinhos e copiar descaradamente o texto da Internet (peço desculpas ao dono por não divulgar o site, mas infelizmente não lembro o endereço).

A amoreira
Recolhido pelos irmãos Grimm


Há muito tempo havia um homem rico casado com uma mulher muito bonita e religiosa; eles se amavam muito, mas não tinham filhos, e por mais que desejassem tê-los, não apareciam.
À frente da casa havia uma amoreira. Em certo inverno a mulher estava debaixo da amoreira descascando uma maçã e cortou o dedo; o sangue escorreu e caiu na neve. "Ah", disse a mulher com profundo suspiro, olhando tristonha para aquele sangue, "se eu tivesse um menino vermelho como o sangue e branco como a neve!". Mal acabara de falar sentiu-se serena como se tivesse um pressentimento. Voltou para casa.
Passou uma lua e a neve desapareceu; após duas luas a terra reverdeceu; após três luas desabrocharam as flores; após quatro luas todas as árvores do bosque se revestiram de galhos viçosos; os pássaros cantavam ressoando por todo o bosque e as flores caíam das árvores; passara a quinta lua o perfume da amoreira era tão suave que a mulher sentiu o coração palpitar de felicidade e caiu de joelhos, fora de si de alegria; depois da sexta lua as frutas iam se tornando mais grossas e ela se acalmou; na sétima lua colheu algumas amoras e comeu-as avidamente, mas se tornou triste e adoeceu; passou a oitava lua e ela chamou o marido e lhe disse chorando: "Se eu morrer, enterra-me debaixo da amoreira." Depois voltou a ficar tranqüila e alegre até que uma outra lua, a nona, passou; então nasceu-lhe um menino, alvo como a neve e vermelho como o sangue e, quando o viu, sua alegria foi tanta que morreu.
O marido a enterrou sob a amoreira e chorou muito durante um ano; no ano seguinte chorou menos e, finalmente, parou de chorar e se casou novamente.
Da segunda mulher teve uma filha. Quando a mulher olhava a filha sentia que a amava com imensa ternura; mas quando olhava o menino sentia algo a lhe aguilhoar o coração e achava que era um estorvo para todos.
Pensava continuamente o que deveria fazer para que a herança passasse toda à filha. O demônio lhe inspirava os piores sentimentos; passou a odiar o rapazinho, a enxotá-lo de um canto para o outro, a esmurrá-lo e empurrá-lo, de maneira que o pobre menino vivia completamente aterrorizado e não encontrava um minuto de paz.
Certo dia a mulher se dirigiu à despensa e a filhinha a seguiu. "Mamãe", pediu, "dá-me uma maçã”."Sim, minha filhinha", disse a mulher tirando uma bela maçã de dentro do caixão, o qual tinha uma tampa muito grossa e pesada além de uma grossa e cortante fechadura de ferro. "Mamãe", disse a menina, "não dás uma também a meu irmão?" A mulher se irritou, mas respondeu: "Dou sim, quando ele voltar da escola". Quando da janela o viu chegando foi como se estivesse possessa; tirou a maçã da mão da filha dizendo: "Não deves ganhá-la antes de teu irmão”.Jogou a maçã dentro do caixão e o fechou. Quando o menino entrou ela lhe disse, com fingida doçura: "Meu filho, queres uma maçã?" e lançou-lhe um olhar arrevesado. "Oh, mamãe" disse o menino “que cara assustadora tens!”.
Sim, dá-me a maçã.”. "Vem comigo" disse ela animando-o, e levantou a tampa "tira tu mesmo a maçã." Quando o menino se debruçou para pegar a maçã, o demônio tentou-a e paff! Ela deixou cair a tampa cortando-lhe a cabeça, que rolou sobre as maçãs. Então se sentiu tomada de pavor e pensou: "Ah, como poderei me livrar dele?!”. Subiu então ao seu quarto, tirou da primeira gaveta da cômoda um lenço branco, ajeitou a cabeça no devido lugar atando-lhe em seguida o lenço, depois o sentou numa cadeira perto da porta, com a maçã na mão.
Pouco depois Marleninha foi à cozinha, onde a mãe estava mexendo num caldeirão cheio de água quente. "Mamãe, meu irmão está sentado perto da porta ... todo branco, e tem uma maçã na mão; pedi-lhe que ma desse, mas ele não respondeu e eu me assustei." "Volta lá" disse a mãe "e se não quiser te responder dá-lhe uma bofetada." Marleninha voltou e disse: "Meu irmão, dá-me um pedaço de maçã!" Como ele continuou calado deu-lhe uma bofetada e a cabeça lhe caiu. Ela começou a chorar e correu para a mãe, dizendo: "Ah, mamãe, arranquei a cabeça de meu irmão!" E chorava sem parar. "Marleninha, que fizeste!" disse a mãe. "Acalma-te, não chores, para que ninguém o perceba; não há mais remédio! Vamos cozinhá-lo em molho escabeche."
A mãe pegou o menino, cortou-o em pedaços, pôs numa panela e cozinhou com vinagre. Marleninha, porém, chorava sem parar e suas lágrimas caíam todas dentro da panela. Assim não precisaram salgá-lo.
O pai chegou em casa, sentou-se à mesa e perguntou: "Onde está meu filho?" Então a mãe trouxe-lhe uma travessa cheia de carne em escabeche. Marleninha chorava sem se conter. O pai repetiu: "Onde está meu filho?" "Ele foi para o campo, para a casa de um parente onde deseja passar algum tempo" respondeu a mãe. "E que vai fazer lá? Saiu sem ao menos se despedir de mim!" "Ora, tinha vontade de ir e me pediu para ficar lá algumas semanas. Será bem tratado, verás!" "Ah, isso me aborrece!" retorquiu o homem, "não está direito, devia ao menos se despedir de mim." Assim dizendo começou a comer. "Marleninha, por que choras?" perguntou ele. "Teu irmão voltará logo. Oh mulher, como está gostosa esta comida! Dá-me mais um pouco." Mais comia mais queria comer, e dizia: "Dá-me mais, não sobrará nada para vocês; parece que é só para mim." E comia, comia, jogando os ossinhos debaixo da mesa.
Marleninha foi buscar seu lenço de seda mais bonito, na última gaveta da cômoda, recolheu todos os ossos e ossinhos que estavam debaixo da mesa, amarrou-os bem no lenço e levou-os para fora, chorando lágrimas de sangue. Enterrou-os entre a relva verde, sob a amoreira, e tendo feito isso se sentiu logo aliviada e não chorou mais. A amoreira começou então a se mover, os ramos se apartavam e se reuniam de novo, como quando alguém bate palmas de alegria. Da árvore se desprendeu uma nuvem e dentro da nuvem parecia ter um fogo ardendo; do fogo saiu voando um lindo passarinho, que cantava maravilhosamente e alçou vôo rumo ao espaço; quando desapareceu a amoreira voltou ao estado de antes e o lenço com os ossos havia desaparecido. Marleninha se sentiu aliviada e feliz, como se o irmão ainda estivesse vivo. Voltou para casa muito contente, sentou-se à mesa e comeu.
O pássaro voou para longe, foi pousar sobre a casa de um ourives e se pôs a cantar:

_ Minha mãe me matou,
meu pai me comeu,
minha irmã Marleninha
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
debaixo da amoreira os ocultou,
piu, piu, que lindo pássaro sou!


O ourives estava na oficina confeccionando uma corrente de ouro; ouviu o pássaro cantando sobre o telhado e achou o canto maravilhoso.
Levantou-se para ver e ao sair perdeu um chinelo e uma meia, mas foi ao meio da rua mesmo com um chinelo e uma meia só. Estava com o avental de couro, numa das mãos tinha a corrente de ouro e na outra a pinça; o sol estava resplandecente e iluminava toda a rua. Ele se deteve, e olhando para o pássaro disse: "Pássaro, como cantas bem! Canta-me outra vez a tua canção." "Não," disse o pássaro, "não canto de graça duas vezes; dá-me a corrente de ouro que eu a cantarei outra vez." "Aqui está a corrente, agora canta outra vez!" disse o ourives. O pássaro então voou e foi buscar a corrente de ouro, apanhou-a com a patinha direita, sentou-se diante do ourives e cantou:

_ Minha mãe me matou,
meu pai me comeu,
minha irmã Marleninha
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
debaixo da amoreira os ocultou,
piu, piu, que lindo pássaro sou!

Depois o pássaro voou para a casa de um sapateiro; pousou sobre o telhado e cantou:

_ Minha mãe me matou,
meu pai me comeu,
minha irmã Marleninha
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
debaixo da amoreira os ocultou,
piu, piu, que lindo pássaro sou!

O sapateiro o ouviu e correu à porta em mangas de camisa; olhou para o telhado resguardando os olhos com a mão para que o sol não o cegasse. "Pássaro, como cantas bem!" E da porta chamou: "mulher, vem cá, está aqui um pássaro que canta divinamente! Vem ver." Depois chamou a filha, os filhos, os ajudantes, o criado e a criada, e todos foram para a rua ver o passarinho, que era realmente lindo com as penas vermelhas e verdes, em volta do pescoço parecia de ouro puro e os olhinhos eram cintilantes como estrelas. "Pássaro, canta outra vez a tua canção!" pediu o sapateiro. "Não, "respondeu o pássaro, "não canto de graça duas vezes, tens que me dar alguma coisa." "Mulher, atrás da banca, na parte mais alta, tem um lindo par de sapatos vermelhos, traz aqui" disse o sapateiro. A mulher foi buscar os sapatos. "Aqui tens, pássaro; agora canta novamente a tua canção." O pássaro foi buscar os sapatos com a pata esquerda, depois voou para o telhado e cantou:

_ Minha mãe me matou,
meu pai me comeu,
minha irmã Marleninha
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
debaixo da amoreira os ocultou,
piu, piu, que lindo pássaro sou!

Terminado o canto foi-se embora, levando a corrente na pata direita e os sapatos na esquerda, e voou para longe, longe, sobre um moinho, e o moinho girava fazendo clipe clape, clipe clape, clipe clape. E na porta do moinho estavam sentados os ajudantes do moleiro, que batiam com o martelo na mó: tique taque, tique taque, tique taque; e o moinho girava: clipe clape, clipe clape, clipe clape. Então o pássaro pousou numa tília em frente ao moinho e cantou:

_ Minha mãe me matou,
E um ajudante parou de trabalhar.
meu pai me comeu,
Outros dois ajudantes pararam de trabalhar para ouvir.
minha irmã Marleninha
Outros quatro pararam de trabalhar.
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
Oito ainda continuavam batendo.
debaixo da amoreira
Mais outros cinco pararam.
os ocultou,
Ainda mais um, mais outro.
piu, piu, que lindo pássaro sou!

Então o último ajudante também largou o trabalho e pôde ouvir o fim do canto. "Pássaro, como cantas bem! Deixa-me ouvir-te também, canta outra vez." "Não" disse o pássaro, "não canto de graça duas vezes; dá-me essa mó e cantarei de novo." "Sim, se fosse só minha eu ta daria." "Sim" disseram os outros, "se cantar novamente a terá." Então o pássaro desceu e os moleiros todos, pegando uma alavanca, suspenderam a mó, dizendo: oop, oop, oop, oop! O pássaro enfiou a cabeça no buraco da mó como se fosse uma coleira; depois voltou para a árvore e cantou:

_ Minha mãe me matou,
meu pai me comeu,
minha irmã Marleninha
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
debaixo da amoreira os ocultou,
piu, piu, que lindo pássaro sou!

Acabando de cantar abriu as asas, levando na pata direita a corrente de ouro, na esquerda o par de sapatos e no pescoço a mó, e foi-se embora voando para a casa do pai.
Na sala estavam o pai, a mãe e Marleninha sentados à mesa; o pai disse: "Ah, que alegria; estou me sentindo tão feliz!" "Oh não" disse a mãe, "eu estou com medo, assim como quando se anuncia forte tempestade." Marleninha, sentada em seu lugar, chorava, chorava. Então chegou o pássaro, e quando pousou em cima do telhado o pai disse: "Ah, que alegria! Como o sol brilha lá fora! É como se tornasse a ver um velho amigo!" "Ah não" disse a mulher, "eu sinto tanto medo, estou batendo os dentes e parece-me ter fogo nas veias." Assim dizendo tirou o corpete.
Marleninha continuava sentada em seu lugar e chorava, segurando o avental diante dos olhos e banhando-o de lágrimas. Então o pássaro pousou sobre a amoreira e cantou:

_ Minha mãe me matou,
e a mãe tapou os ouvidos e fechou os olhos para não ver e não ouvir, mas zumbiam-lhe
os ouvidos como se fosse o fragor da tempestade e os olhos lhe ardiam como se fossem
tocados pelo raio.
meu pai me comeu,
"Ah mãe" disse o homem, "há aí um pássaro que canta tão bem! E o sol está tão
brilhante! E o ar recende a cinamomo."
minha irmã Marleninha
Então Marleninha inclinou a cabeça nos joelhos e prorrompeu num choro violento, mas
o homem disse: "Vou lá fora, quero ver esse pássaro de perto." "Não vás, não!" disse a
mulher, "parece-me que a casa toda está estremecendo e ardendo." O homem porém
saiu.
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
debaixo da amoreira os ocultou,
piu, piu, que lindo pássaro sou!

Com isso o pássaro deixou cair a corrente de ouro exatamente em volta do pescoço de seu pai, servindo-lhe esta tão bem como se fora feita especialmente para ele. O homem entrou em casa e disse: "Se visses que lindo pássaro! Deu-me esta bela corrente de ouro, e é tão bonito!" Mas a mulher, transida de medo, caiu estendida no chão, deixando cair a touca da cabeça. E o pássaro cantou novamente:

_ Minha mãe me matou,
"Ah, se eu pudesse estar mil léguas debaixo da terra para não ouvi-lo!"
meu pai me comeu,
A mulher se debateu, e parecia morta.
minha irmã Marleninha
"Oh" disse Marleninha, "eu também quero ir lá fora; quem sabe se o pássaro dá algum
presente também a mim!" E saiu.
meus ossos juntou,
num lenço de seda os amarrou,
e atirou-lhe os sapatos.
debaixo da amoreira os ocultou,
piu, piu, que lindo pássaro sou!

Marleninha então se sentiu alegre e feliz. Calçou os sapatos vermelhos; pulando e dançando, entrou em casa. "Estava tão triste quando saí e agora estou tão alegre! Que pássaro maravilhoso! Deu-me um par de sapatos vermelhos." "Oh não" disse a mulher; ergueu-se de um salto e os cabelos se lhe eriçaram como labaredas de fogo. "Parece-me que vai cair o mundo, vou sair também, quem sabe não me sentirei melhor?"
Quando transpôs a soleira da porta pac! o pássaro lhe atirou na cabeça a pesada mó, que a esmigalhou. O pai e Marleninha, ouvindo isso, correram e viram se desprender do solo fogo e fumaça, e quando tudo desapareceu eis que surge o irmãozinho, estendendo as mãos para o pai e Marleninha; e muito felizes entraram os três em casa, sentaram-se à mesa e começaram a comer.



FONTES:
_ HISTÓRIAS QUE OS CAMPONESES CONTAM: O SIGNIFICADO DE MAMÃE GANSO por Robert Darnton;
_ 103 CONTOS DE FADAS por Angela Carter.